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Parecer 2001

Índice

Parecer sobre os Programas de Matemática para o Ensino Secundário

Comissão Coordenadora da Secção de Educação e Matemática da SPA

 

Foram propostos recentemente para discussão novos programas de Matemática (A e B) destinados ao 11.º ano, bem como o programa de Matemática Aplicada às Ciências Sociais. Conforme já o fez em ocasiões anteriores, a Secção de Educação e Matemática da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação congratula-se com a disponibilidade para o debate de ideias manifestada pelos autores dos programas e deseja, através do presente parecer, contribuir para ele.

Para não dispersar os nossos esforços, decidimos concentrar-nos numa apreciação do programa de Matemática A e no de Matemática Aplicada às Ciências Sociais.

 

Programa de Matemática A

Embora apenas tenha sido colocada para discussão o programa do 11.º ano, pareceu-nos que a sua discussão seria mais frutuosa se considerada em conjunto com as propostas relativas ao 10.º ano, dando atenção especial à introdução que enquadra todo o currículo de Matemática A do Ensino Secundário. Esta introdução foi consideravelmente expandida quer quando comparada com os currículos em vigor, quer quando confrontada com as primeiras propostas destinadas ao 10.º ano e que foram objecto de um parecer anterior.

Desejamos, antes de mais, manifestar a nossa concordância com a preocupação manifestada pelos autores no desenvolvimento de um programa moderno, adaptado às exigências do mundo actual, e que procura incorporar muitas das ideias que atravessam as preocupações de educadores matemáticos noutros países. A valorização de uma abordagem centrada no aluno, em detrimento de uma ênfase na linguagem, a procura de metodologias diversificadas para estudar temas matemáticos, recusando a visão de uma matemática monolítica assente na lógica, bem como uma incorporação da tecnologia que a encara como uma oportunidade para melhorar a qualidade das aprendizagens, e não como uma ameaça aos saberes matemáticos, são características deste programa, como já o eram do anterior, e merecem todo o nosso apoio.

Existem, no entanto, alguns pontos a necessitar de uma reformulação e que passaremos a indicar a seguir.

 

Sobre as Finalidades do Programa

A secção 2.1 sobre as finalidades do programa deverá conter objectivos gerais que explicitem os modos como a disciplina de Matemática pode contribuir para finalidades mais globais indicadas para o conjunto do ciclo escolar e que clarifiquem o contributo essencial da Matemática para a formação dos jovens deste nível etário que optaram por estes Cursos Gerais. Discordamos, pois, da inclusão de finalidades que, embora meritórias em si, não exprimem uma relação com a disciplina, situação que abrange as duas últimas.

Pensamos ainda que se deve efectuar um esforço de condensação e que poderia, por exemplo, passar pela definição de duas grandes áreas.

A primeira centrada na ideia «Pensar matematicamente», englobaria a primeira e a segunda finalidade com pequenas alterações de redacção (a carregado estão as alterações que propomos):

1 – Desenvolver a capacidade de usar a Matemática como instrumento de representação, interpretação e intervenção no real;

2 – Desenvolver a capacidade de raciocinar matematicamente, nomeadamente através da formulação e resolução de problemas, da comunicação, da elaboração e teste de conjecturas, e da realização de raciocínios dedutivos.

A segunda área estabeleceria relações entre a matemática e a cultura científica e a sociedade, e nela seriam englobadas a terceira, a quarta e a sexta finalidades, embora com alterações:

3 – Promover o aprofundamento da cultura científica, técnica e humanística (a referência à importância dos estudos posteriores já é feita no decreto lei que institucionaliza o novo quadro curricular, Art.º 3.º, 1).

4 – Contribuir para uma atitude positiva mas crítica face à ciência e particularmente para com a Matemática (semelhante ao que está no programa C).

6 – Apoiar o desenvolvimento de uma consciência crítica e interventiva em áreas como … (completar).

A quinta finalidade deve ser eliminada.

 

Sobre os Temas Transversais

Embora existisse uma referência a estes temas na proposta de programa apresentada no ano passado, os autores alargaram consideravelmente a sua descrição. Embora reconheçamos um esforço de elaboração notável, queremos exprimir algumas reservas em relação a este assunto.

Uma primeira objecção prende-se com as características destes temas. Pensamos que eles têm uma natureza muito distinta, dificilmente enquadrável sob uma mesma denominação. Uns prendem-se com procedimentos didácticos, outros com a qualidade das aprendizagens, e outros dificilmente se distinguem de conteúdos programáticos. Embora seja positivo não reduzir o programa ao estudo de temas matemáticos, esta pluralidade de temas transversais dificulta a sua apropriação pelos professores.

Uma segunda objecção centra-se na ausência de articulação entre os temas, os conteúdos programáticos e as sugestões metodológicas. Por exemplo, as três páginas da introdução da secção 2.4 avançam com propostas que nalguns casos se sobrepõem aos temas, embora noutros se dirijam para outras direcções. Como deve o professor gerir esta contradição? Possui então o programa uma terceira dimensão, que é, ainda por cima, parcialmente independente das outras duas?

Uma terceira objecção relaciona-se com a escassez de exemplos de utilização dos temas transversais interligados com os próprios conteúdos programáticos e ficou-nos ainda a sensação de que a interligação temas transversais/conteúdos, se vai esbatendo ao longo do texto.

Embora a ideia de desenhar um currículo que permita leituras não lineares, recorrendo, por exemplo, ao cruzamento de duas dimensões, nos pareça interessante, as ambiguidades contidas no texto vertente, agravadas pela inexistência de casos exemplares, comprometem a sua aplicação efectiva por parte dos professores. Os programas em vigor no 2.º e no 3.º ciclos contêm igualmente referências a «temas transversais», que, na ausência de uma articulação efectiva com os tópicos programáticos, e em conflito com práticas lectivas dominantes, são esquecidos.

Assim, propomos que a referência a temas transversais seja simplificada (não mais de três ou quatro), dando ênfase apenas aos relacionados com processos matemáticos a desenvolver pelos alunos. Propomos ainda que se enriqueça e clarifique a relação entre os temas, os conteúdos programáticos e as sugestões metodológicas.

 

Sobre um estilo ocasionalmente prescritivo

Na nossa tradição educativa, os programas escolares têm por função, entre outras, a de informar os diversos intervenientes no acto educativo (professores, autores de manuais, pais, etc.) sobre os conteúdos que obrigatoriamente deverão ser leccionados. Não existe, no entanto, nem uma única via para um ensino bem sucedido, nem um método de ensino que se revele eficaz para todos os alunos. Daqui resulta que, mesmo num sistema educativo de tradição centralizadora como o nosso, deve existir (e tem existido de facto) alguma margem de manobra de modo a que cada professor possa adaptar as suas metodologias quer às características diversificadas dos seus alunos, quer ao modo como ele se apropria especificamente do programa.

No entanto, o programa em análise envereda pontualmente por um estilo demasiadamente prescritivo. Estamo-nos a referir em especial à p. 18, onde existem diversas frases que visam condicionar em excesso as escolhas didáticas: «as opções metodológicas … têm que ser seguidas», «as indicações metodológicas … não são simples indicações» (afinal são ou não indicações?), «embora isso não constitua uma instrução (sic) rígida … ela deve ser uma referência obrigatória … e deve limitar …» (não é rígida, mas é obrigatória e limita!). Sugerimos neste caso uma reescrita destes parágrafos.

 

A implementação do programa

Conforme já foi apontado por nós em intervenções na Comissão de Acompanhamento, o esforço conducente a uma implementação adequada do programa deverá estar centrado no desenvolvimento e divulgação de exemplos didácticos de qualidade ao nível da sala de aula e da avaliação. O papel desempenhado por projectos desenvolvidos pelas escolas pode aqui ser fundamental para incorporar os programas na cultura profissional dos professores de Matemática.

 

Programa de Matemática Aplicada às Ciências Sociais

Não temos em Portugal uma tradição de programas de Matemática diversificados. O desenvolvimento de programas deste tipo (bem como a sua crítica) é portanto uma tarefa difícil. Limitaremos pois o nosso parecer a alguns aspectos de caracter geral.

 

Sobre as Finalidades do Programa

As Finalidades propostas para este programa são praticamente as mesmas que as propostas para o Programa A. Tal como já argumentámos anteriormente a propósito deste último, pensamos que as finalidades se devem articular com as finalidades gerais do Ciclo, bem como explicitar o contributo essencial da Matemática para a formação dos jovens que optaram por estes Cursos Gerais. Embora possam pois ter alguns pontos comuns com as da Matemática A, estas finalidades deverão conter algo de específico, pois só assim é possível compreender porque este programa é diferente do da Matemática A. Se as finalidades fossem iguais, significaria isso que elas poderiam ser atingidas com um programa mais simples, e para que serviria então o Programa A?

As duas diferenças entre as finalidades propostas reside na troca da terceira do Programa A pela quarta deste Programa, isto é, enquanto que os alunos do primeiro devem aprofundar a cultura científica, os do segundo devem ver melhorada a sua iliteracia. Pensamos que é pouco, e que se pode encontrar uma formulação mais estimulante para o segundo programa. (De caminho pode ainda ser melhorada a formulação à La Palisse «diminuir a inumeracia … aumentar a literacia».)

 

Sobre os conteúdos

Em geral, os conteúdos parecem-nos adequados. A inclusão da Teoria da Decisão deveria, no entanto, ser mais bem justificada. Trata-se de um tema desconhecido, cujas fontes de aprofundamento são materiais em inglês, e que deveria merecer um desenvolvimento mais substancial. Não seria de optar antes pelo estudo da Teoria de Jogos, melhor conhecida?

 

Sobre o apoio aos professores

Antevemos a necessidade de um apoio forte aos professores que vão iniciar a leccionação deste programa. Nesse sentido, pensamos que as sugestões metodológicas deverão ser expandidas, seguindo, por exemplo, o que foi feito nos programas anteriores, que continham um desenvolvimento que ajudou a clarificar as intenções dos autores.

Será igualmente necessário que da parte das estruturas oficiais, exista uma disponibilidade para um apoio profundo, sob pena de este programa ser desvalorizado.

 

2 de Fevereiro de 2001